Pouco antes do lançamento de Quantum of Solace, o segundo filme - do que seria uma série de cinco - estrelando Daniel Craig como o agente secreto britânico James Bond 007, escrevi sobre como me atraía a ideia de que os produtores da franquia estão mais atentos à continuidade entre os longas do que em eras passadas.
Os filmes de Craig acabaram evoluindo, por inúmeras razões internas e externas à produção de cada um deles, para uma única narrativa: uma grande história dividida em cinco capítulos. Por um lado, foi interessantíssimo, atraiu muitos fãs novos. Por outro lado, foi um tanto quanto alienante, afastou muitos fãs antigos. Eu mesmo, contrariamente ao que sentia no começo, aquele sentimento positivo que expressei aqui neste blog quanto à direção da narrativa, acabei me importando menos e menos com a continuidade e mais com a qualidade geral de cada um dos filmes a cada novo lançamento.
A trajetória foi bastante acidental. Casino Royale era uma introdução. Quantum of Solace a sequência imediata e mal planejada ao sucesso crítico aparentemente inigualável do primeiro. Foi um tropeço. Foi necessário voltar ao estilo de Casino Royale. Veio no corpo de uma obra de Sam Mendes, uma grande obra, mas muito influenciada pelos filmes de super-heróis, a coqueluche dos anos 2000 e 2010. Casino Royale também tinha um pouco de tais filmes, mas Skyfall foi muito além, dando a James Bond uma vida fora do Serviço Secreto (!). Spectre, o quarto filme, e uma obra de arte como o antecessor, chegou ao que parecia o extremo da influência das HQs, dando a Bond um antagonista que ~quase~ divide com ele laços de sangue (!!). Por fim, No Time to Die abraçou o inimaginável, ao completar o arco de "Craig Bond" criando a Bond-família (!!!).
Em resumo, digo que, ainda que sejam cinco grandes filmes, em uma série cuja narrativa poucas vezes deixa a peteca cair, é estranho demais ver técnicas da literatura pré-adolescente, que engloba os quadrinhos de super-heróis e seus derivados, aplicadas a James Bond. Sim, é certo que parte desta estranheza foi proposital, os filmes foram feitos para nos impressionar. Mas não foram poucas as vezes em que, entre as muitas linhas de texto proferidas por grandes atores ao longo da jornada, surgiram falas que, penso eu, nunca sairiam de uma pessoa destruída como Bond. E, em certos momentos, houveram também certas *ações* que nunca viriam de um profissional como Bond. Como no último filme: será que ele desistiria mesmo? De Madeleine? De tudo? Uma grande série, que, como quase todas as grandes séries, não conseguiu entregar um final satisfatório.
Pois filmes são acidentes. As equipes que os produzem têm que lidar com problemas de todo tipo da pré-produção à pós-produção. Os problemas exigem mudanças de roteiro, às vezes mudanças de última hora. O mundo real também influencia. A idade do elenco, as realidades políticas, os outros sucessos que dividem as salas de cinema, uma pandemia, a história e o peso de um personagem clássico, os planos pessoais de cada membro da equipe, tudo altera um roteiro. E este talvez seja o maior problema dos filmes sequenciais, eles estão sujeitos a ainda mais e maiores imprevistos que os demais filmes para conseguirem entregar o que prometem. Sendo assim, torço para que o próximo James Bond seja sequencial, mas nem tanto. Arte em primeiro lugar, lógica apenas se e quando possível.