Na Inglaterra, Quantum of Solace vai às telas dia 31. Vai demorar um pouco ainda para aparecer por aqui (bem pouco, uns quinze dias talvez). E, aproveitando o clima, finalmente arranjei uma cópia de Casino Royale, o livro de Ian Fleming escrito em 1953 e primeira aventura do agente secreto, para degustar.
E é bom? É ótimo! Ainda que Fleming não esteja ainda exibindo a performance que exibe nos seus livros seguintes, essa primeira aventura de 007 é digna de nota, sem preocupação nenhuma com brincadeiras racistas e repleta de momentos de adrenalina pura. Sem contar que, graças à obra, finalmente aprendi as regras do baccarat.
A boa leitura, obviamente, faz o bumerangue do meu interesse voltar para o filme que estréia em breve. O que estará reservado dessa vez para nós, fãs de Bond? Casino Royale, o filme anterior (sim, baseado no livro homônimo), estava primoroso - pelo menos em sua segunda metade, quando a ação sem sentido dava espaço a um jogo de nervos dentro da arena verde de uma mesa de cartas.
O divertido dessa nova fase é que fica claro o rumo que a série tomou. Não digo que o rumo é bom. Também não digo que é ruim. Só digo que é bom que exista um rumo. Os filmes de Pierce Brosnan, o Bond da década de 1990, eram bons, mas eram extremamente independentes um do outro, mostrando que os produtores estavam atirando para todo lado. Após a diversão cartunesca de Goldeneye, vieram a ação anos 80 de Tomorrow Never Dies, a aventura noir de The World is Not Enough e a ficção hi-tech de Die Another Day. Era como se o clássico Bond estivesse reencarnando em diferentes corpos em cada nova história sua.
Agora há um corpo só. Os filmes serão até sequenciais, o que é inédito desde a era Sean Connery. E, hum, agora que citei o nome do ator escocês, vale falar de Daniel Craig. Se ele é um bom James Bond? Sem dúvida. É o ator cuja aparência física mais se assemelha àquela descrita por Ian Fleming em seus escritos. Agora, quanto à interpretação, eu digo que todos os atores que já passaram pelo papel (com exceção daqueles que o fizeram no Casino Royale de 1967), me agradaram. Cada um deles explorou ao máximo uma das características do Bond literário: Connery trouxe a frieza nas ações, Moore a imparcialidade nas decisões, Dalton a honestidade de espírito, Brosnan a supressão de sentimentos e, agora, Craig traz a timidez. Sim, timidez. O Bond literário é alguém cuja visão fica confinada em si mesmo até explodir nos braços de uma beldade. Ele é honesto, mas para consigo mesmo. Seu corpo é uma parede de gelo que não permite que o que está do lado de dentro saia e descubra o mundo. Ele precisa ser assim, para que sua vida, repleta de jogos arriscados, se prolongue. E é a cama o único lugar onde ele se permite ficar indefeso, ao lado dos objetos sexuais que o mundo convencionou chamar de mulheres. Bond não confia nelas, e não vê para elas outra utilidade senão o sexo (claro, isso muda em On Her Majesty's Secret Service, mas existe muito chão - muitos romances - até lá). O agente deseja, mais que os homens fracos que o admiram, conseguir um dia fazer da sinceridade uma palavra de sua boca, mas sabe que não pode, que não tem tal capacidade, pois interpretar é seu existir, a ponto de não ficar claro o que veio primeiro: o Bond disfarçado ou o Bond assassino. Ser um 00 é motivo para disfarce ou foi a incapacidade de viver fora do disfarce que transformou a pessoa em um duplo zero? Os romances de Fleming deixam bem claro que Bond não tem orgulho de seu trabalho e que ele tem consciência de que não está do lado do bem nem do lado do mal, mas do lado que lhe dá um salário. Isso faz com que minha leitura acredite que a personagem chegou a uma posição inerte. Não há caminho de volta e não há caminho a seguir. A única opção de Bond é fazer. E Craig expressa isso muito bem.
Obviamente, não é só o ator que merece os méritos por sua própria interpretação bem sucedida. O James Bond atual não é mais o cidadão britânico da Literatura. O Bond atual, o Bond do cinema, é um cidadão do mundo. A timidez de Craig reside justamente no fato de que sua personagem sabe que serve a um país cujos interesses não são totalmente compatíveis com os interesses de outros. Não só em si própria, mas no enredo que a abriga. Tal certeza permeia a série recentemente: a certeza de fazer filmes para ingleses e russos, para americanos e iraquinanos, para japoneses e chineses... Salvar o capitalismo e a democracia já não são mais importantes do que enfrentar inimigos pelo prazer de encarar a morte e depois dormir com uma mulher dos sonhos. Esses são problemas universais em comparação aos quais o capitalismo e a democracia tornam-se pálidos. Mas os filmes anteriores não sabiam disso? Sim, mas o segredo é que agora Bond sabe também.
2 comentários:
Nunca fui muito fã de Bond, mas gostei daquele do Brosnan que tem a Halle Berry e aquela loira peituda (esqueci o nome dela) e elas brigam dentro do avião enquanto tá tudo pegando fogo (hehehe).
Por algum motivo estranho, tenho boas expectativas quanto a esse Quantum of Solace. Verei-o no fim de semana!
Abraço.
Die Another Day, o último filme da série feito no molde de Goldfinger. Também gosto dele.
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